terça-feira, 31 de março de 2009

O que leva pessoas a praticar vandalismo em um patrimônio que só embeleza e não faz mal a ninguém?

Créditos à JB Online e Rio Notícias Agora

O tira-e-põe dos óculos da estátua de Carlos Drummond de Andrade, instalada em Copacabana em 2002, tem sido tão frequente que já se cogitaram várias maneiras de resguardá-los. Enquanto isso, a escultura do poeta continua tão desamparada quanto o José, personagem de sua famosa poesia. Segundo a Fundação Parques e Jardins, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, responsável pela conservação dos monumentos da cidade, a ideia de instalar uma câmara de vigilância ainda está em estudos.

Enquanto o aparelho de segurança não é instalado, é melhor Drummond abrir uma conta em alguma ótica de Copacabana. Segundo a secretaria, a armação de bronze já foi roubada sete vezes desde 2007. E cada reposição custa R$ 3 mil. O conserto agora não onera o contribuinte, porque a estátua foi adotada pela empresa Essilor, cuja atividade é fabricação de lentes de contato.

Resina pode ser a solução

Não se sabe se o vandalismo é causado apenas pela vontade de depredar um bem público ou se é feito com o objetivo de vender o metal para ferros-velhos. Para desestimular a ação dos dois tipos de destruidores, a escultora Mazeredo tem uma ideia: usar resina pigmentada, que imita o bronze, em vez do metal. Segundo ela, por ser pouco atraente para a revenda, o acessório deve ser deixado em paz. E caso seja novamente depredado, o custo do conserto é bem menor. A própria Mazeredo tem história de obra mutilada por vândalos. Ela conta que produziu, sob encomenda de uma empresa, uma peça de sete metros de altura para ser doada à prefeitura. Seria o marco da Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, realizada na cidade naquele ano.

– Há uns oito anos, em um dia de Carnaval, a escultura apareceu cortada ao meio. Ela foi instalada no Parque do Flamengo, em frente ao Hotel Glória. O artista paga, em média, R$ 100 pelo quilo do bronze. Eles revendem por R$ 5. É um ato de vandalismo puro – lamenta a escultora. – Também contribuiu para isso a falta de iluminação do Parque do Flamengo, que é bem escuro. A cidade tem de ser mais bem iluminada. Vou reparar a escultura, mas não vou usar mais bronze, senão vai acontecer de novo. Vou fazer em fibra. Os óculos do Drummond também podem ser feitos em resina pigmentada. Com 200 reais resolve, se a pessoa tiver a forma.

R$ 700 mil para lavar pichação

Ser uma das obras de exposição ao ar livre mais queridas do carioca – não é raro ver pessoas tirando fotos ao seu lado e, até mesmo, conversando com ela – não tem livrado Drummond de se tornar alvo de destruição. Para Junia de Vilhena, professora de psicologia da PUC-RJ e coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Investigação Social, a depredação sofrida pela estátua pode ser causada pela percepção que o brasileiro tem do bem público, que é visto como coisa de ninguém, em vez de ser percebido como propriedade de todos.

A suspeita da psicóloga é confirmada pelos números fornecidos pela secretaria. Apenas para manter os 694 monumentos da cidade livres da pichação foram gastos R$ 700 mil no ano passado. Com as depredações ocasionais, como a que tem como alvo os óculos de Drummond, são precisos R$ 200 mil anuais.

– Acho, sim, que essa coisa da falta de urbanidade é característica do brasileiro, A coisa pública é considerada coisa de ninguém. A cidade não é vista como nossa – analisa a professora. – No caso da estátua do Drummond, acho que existe uma coisa de gato e rato, de desafio. Ainda mais por conta da cobertura que a imprensa dá a esse caso. Isso é apenas uma das manifestações do descaso com a coisa pública. O cara está na sua BMW e joga sujeira na rua. Deixar a cidade inteira emporcalhada é, para mim, mais grave do que roubar o óculos do Drummond. O brasileiro tem uma noção muito peculiar de limpeza. Tomamos banho todos os dias, mas nas ruas, que pertencem a todos, jogamos lixo, paramos onde queremos, estacionamos nas calçadas.

Nenhum comentário: